Desde criança, Neiva deixou que a dança se tornasse sua bússola, conduzindo-a por caminhos que vão além dos palcos.
O Ritmo Indomável do Tarrafal
No Tarrafal, onde o mar encontra a terra num vaivém de ondas avitos, existe uma cadência que não cessa. É neste cenário de recordações e sonhos que se destaca Neiva, cujo nome verdadeiro é Virgini Lopes. Mais que dançarina, professora, organizadora de eventos comunitário e bancária, Neiva é um símbolo vivo de resistência cultural e de amor incondicional pela sua comunidade. De Ponta Gato, a "zona mas sabi ki mundu", ela carrega no corpo e na alma a força que define o seu povo.
Desde criança, Neiva deixou que a dança se tornasse sua bússola, conduzindo-a por caminhos que vão além dos palcos. “Nta daba tudu di mi,” recorda com um sorriso, referindo-se à primeira vez que pisou o palco, ainda aos sete anos, como parte do grupo Fidjus de Bibinha Cabral. Naquele instante, percebeu que a dança era mais do que um movimento. Era uma forma de viver, de lutar, de resistir. Cada passo carregava a pulsação de Tarrafal, cada gesto assonava a história de um povo.
“A dança é a linguagem oculta da alma,” disse um dia Martha Graham, ícone norte-americana da dança moderna. E essa frase parece definir a essência de Neiva. Para ela, dançar é resgatar raízes, dar corpo ao que as palavras não conseguem exprimir, conectar pessoas à memória coletiva da sua terra. É também uma forma de dizer ao mundo que Cabo Verde tem muito mais a oferecer do que o olhar apressado costuma notar.
Mas Neiva não dança apenas por si; ela dança por Tarrafal. Seu compromisso vai além dos palcos. Em suas palavras, há um misto de lamento e esperança: “Dja nu skeci di nos identidadi... Nu sa ta tenta mas kópia di kultura di outus e vivi kultura ki ka pertensenu.” Essa autenticidade cultural que defende está na linha do que acredita o coreógrafo português Rui Horta, que afirma que a arte deve "romper barreiras e fazer-nos olhar para dentro."
A comunidade de Ponta Gato, berço de Neiva, é um viveiro de talentos que ela se dedica a nutrir e proteger. Entre os dias na praça, os ensaios no centro comunitário e as noites de espetáculos, ela cresceu num lugar onde a cultura era uma ponte entre gerações. Hoje, esse espírito luta contra o esquecimento, e Neiva se esforça para manter vivas as tradições, mesmo enfrentando desafios. A frase de Germaine Acogny, a "mãe da dança contemporânea africana", ecoa em seu trabalho: "A dança é a liberdade, mas também a responsabilidade de carregar nossa história."
Além de sua atuação como dançarina, Neiva tem sido uma força transformadora em sua comunidade. Ela organiza eventos culturais, promove atividades e incentiva jovens a redescobrirem o valor de sua herança. Como bem disse Sir Matthew Bourne, célebre coreógrafo britânico, “a dança não precisa de interpretação, ela precisa de alma.” E Neiva oferece isso em abundância – alma em cada passo, em cada gesto, em cada ação que fortalece os laços de sua terra natal.
Tarrafal, e em especial Ponta Gato, é mais que um cenário; é uma personagem da história de Neiva. Lá, a dança não é apenas entretenimento, mas um grito de identidade, um espaço de resistência e de cura. “A dança molda e salva gerações,” afirma Neiva, refletindo sobre os tempos em que os jovens encontravam nas praças e nas ruas o palco para os seus sonhos.
Mesmo que, como ela diz, a dança esteja “un poku paradu,” Neiva mantém viva a chama da esperança. Afinal, como disse o lendário Alvin Ailey, pioneiro afro-americano da dança moderna: “A dança revela tudo o que precisamos saber sobre uma pessoa.” Neiva revela, a cada movimento, uma mulher resiliente, apaixonada e comprometida com o futuro de sua terra.
Ela também se aventurou no teatro, participando de produções locais dirigidas por Anilton Levy, outro talento de Ponta Gato. Essa localidade, rica em cultura, merece ser protegida de adversidades sociais que, por vezes, ameaçam apagar o brilho de seu povo. A visão de Neiva para o futuro é clara: que Tarrafal continue a ser um farol cultural para Cabo Verde e para o mundo.
Por fim, como disse o coreógrafo sul-africano Vincent Mantsoe, “a dança é o sopro de vida da nossa ancestralidade.” Neiva dança para honrar o passado, iluminar o presente e garantir que a cultura cabo-verdiana continue a inspirar gerações. Que o mundo conheça Neiva, uma artista cuja dança transcende os palcos e une raízes, sonhos e o ritmo indomável da vida.
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