Sessenta anos com o meu marido, e nunca nenhum homem entrou em nossa casa sem a sua aprovação.
O Crepúsculo de Kaskas: A Última Noite de Gumercinda , por Mario Loff
Na serenidade da noite em Kaskas, as colunas de pedra e o som, envoltos em uma paciência poeirenta, aguardavam o silêncio que precede o canto dos grilos sob o luar. O último homem de respeito havia aumentado o preço de uma noite de desejo com as mulheres da vida para mais de cem moedas, gerando revolta. No início, a indignação era palpável; com o tempo, os homens passaram a evitar o bairro, e as mulheres transformaram-se em irmãs de caridade. As ruas assumiram seus antigos nomes, mas Kaskas manteve suas tradições, entrelaçadas com o vento e sussurradas sob o céu estrelado, como se ainda imergissem no aroma do grogue de alta qualidade. Os jovens, sonhadores, alimentavam esperanças grandiosas de se tornarem novos Bocages, tecendo a vida de Kaskas com esperança e reverência.
Naquele tempo, os rapazes saíam à rua escondidos e temerosos, com um certo medo de serem vistos pelos vizinhos, pois, caso contrário, seriam delatados e sofrem o peso da disciplina paterna. Valorizavam a paz no seio da família, e a casa era um antro de valores de um homem. Por isso, quem batesse sempre tinha razão e ainda recebia carne quando sacrificavam alimárias.
Não era comum que os moradores atravessassem a rua sem que o homem da casa previsse os aviões que cruzavam os céus. O tempo passava lentamente, enquanto os corpos fatigados repousavam, e a cozinha transformava-se no domínio dos pequenos seres que, nas frestas minúsculas, encontravam refúgio. Ali, escalam paredes em busca de fortunas esquecidas pelos antigos pedreiros, mas apenas sentiam o calor envelhecido das palmas de suas mãos.
O medo dos dedos dos homens era um legado histórico, iniciado quando o Homo sapiens provou o primeiro grogue e compreendeu a necessidade de sentir o fedor do mundo. Assim, à noite, fundaram-se o kotxi pó no Lascoux e o fundo sono. Hoje, em Kaskas, os aposentos da senhora situavam-se quase ao pé do ouvido, escutando a fome que emerge quando a panela perde a cor e a paciência.
Da cozinha ao quarto, a senhora da casa percebia a presença das baratas a poucos passos, mas conhecia com precisão quem dominava seu espaço. Sabia o horário de cada visitante, e, naquele momento, os aviões cruzavam o céu de Kaskas. Lentamente, a casa despertava, e os bichos da cozinha retiravam-se para seus aposentos noturnos.
Sempre estiveram ali, invisíveis para os homens, comentava Gumercinda, após cinquenta anos de casamento e quarenta de convivência íntima com os bichos. Criava aliárias e revendia seus produtos ao colombiano que visitava Kaskas a cada quatro anos, interessado nas últimas aventuras do porco Sabino e da txubara Dandara. Quando o marido saía para o matutino, Sabino e Dandara o acompanhavam-no. Mesmo esperando na porta, comportavam-se com a dignidade dos observadores, observando os homens do Olimpo da cidade que expulsavam pessoas sem piedade. Quando encontravam os dois elementos, costumavam dizer:
— É dan ndal, nhos botan pa rua.
Mas Sabino e Dandara sabiam que haviam saltado paredes e não possuíam bilhetes, então sorriam com um reconhecimento cúmplice. Eram os donos da casa, homens que não se deixavam levar pelo ritmo do líquido numa garrafa que secava a cada cálice exibido.
Naquela noite fatídica, o sossego da casa foi quebrado. Gumercinda, concentrada na preparação do jantar, ouviu um barulho inesperado na porta da cozinha. Os gritos de Sabino e Dandara, que antes se misturavam harmonicamente, deram lugar a um silêncio perturbador. O colombiano, que estava sentado à mesa, levantou-se rapidamente e dirigiu-se à porta.
— O que se passa? — indagou Gumercinda, a voz tremendo de preocupação.
O colombiano, com uma expressão de incompreensão, seguiu o olhar de Gumercinda para fora, mas não viu nada.
— Apenas barulhos de noite, senhora — respondeu, tentando acalmá-la. — Nada mais.
Mas não era apenas isso. Rapidamente, os rapazes da vizinhança, após a insistência do velho agente Banda, que testemunhará o surgimento da nova geração dos kascaeiros, começaram a comentar o incidente da última noite do matutino, quando roubaram Sabino e Dandara. A situação mergulhou a casa da senhora Gumercinda em uma profunda tristeza, vendo seu marido definhar na cama devido ao roubo dos dois animais que traziam histórias para o contrabando.
— Perdeu a fonte de rendimento. Há quatro anos que o senhor partiu e pagou pelas últimas histórias de Bakanorte. Desde então, a nossa casa ficou deserta, sem bichos na cozinha, sem os voos das baratas, nem os atos de contrabando de figuras geométricas nas noites de tombamento do futuro. Na verdade, silenciaram a voz dos nossos animais — lamentou Gumercinda, a voz embargada diante do colombiano. — E agora, o que faremos com o marido que se encontra entrevado na cama?
— Serve para este tempo, serve — respondeu o colombiano, com uma expressão de incompreensão, julgando-a demasiadamente velha para compreender o mundo moderno.
— Parece que saiu de Macondo — comentou ele, antes de fechar a porta, percebendo que, nos sete anos que passaram em Kaskas, nenhum homem se atreveu a invadir famílias que tinham um homem presente em casa. Um ano após a morte do marido, os jovens que chegaram com a nova democracia começaram a se instalar no parapeito da senhora Gumercinda. Todos os dias, faziam barulho até altas horas da noite, e, quando não estavam presentes, os bichos voltavam à cozinha para suas atividades noturnas. Desanimada, Gumercinda dizia:
— Sessenta anos com o meu marido, e nunca nenhum homem entrou em nossa casa sem a sua aprovação. Um ano após a sua morte, o nosso parapeito é invadido, e eu sou injuriada.
Com o tempo, Gumercinda manteve sua dignidade. Conversava com as sombras da noite, como se esperasse uma resposta do além. Numa noite clara, ao som dos grilos que dominavam o bairro, ela falou com a lua:
— Oh, lua que iluminou nossas noites, por que razão me deixaste desprotegida? O que fiz para merecer este desrespeito? Nem a imagem de um homem me resta em casa.
Os grilos continuavam seu canto incessante, e a lua parecia ouvir com paciência. A senhora, com um suspiro profundo, dirigiu-se ao quarto, onde seu marido repousava em silêncio eterno. Sentou-se ao lado da cama e murmurou:
— Meu amor, os tempos mudaram. O que era nosso agora pertence ao barulho da rua. Não sei se algum dia retornaremos à paz que um dia tivemos.
O silêncio da casa parecia ser a resposta, um eco dos dias passados e da luta contínua por dignidade e respeito. parece que lá no fundo do quarto um colibri cantou uma última música antes do céu se fechar em seus olhos.
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