Caminhamos entretidos pelas responsabilidades, sonhos e esperança na mudança, que esquecemos qual é a última paragem.
A Última Paragem, por Evy Soares
As luzes cintilantes adornavam o anoitecer na bela cidade da Praia. O barulho do vento e o latido fraco dos cães faziam com que a noite ficasse ainda mais sinistra. "Preciso aceitar só mais uma corrida", pensou Zé.
Foi então que, em uma das esquinas na Várzea, alguém fez um aceno lento para que ele parasse. Zé reparou que a figura trajava preto de uma forma nada convencional. Em passos lentos e coordenados, a mulher atravessou a estrada e adentrou o carro.
- Boa noite - disse Zé, depois de pensar ter ouvido um murmúrio de boa noite vindo do passageiro.
Após uns instantes de silêncio, Zé decidiu perguntar:
- Para onde, senhora?
Foi então que ele ouviu a resposta mais inusitada de toda a sua vida:
- A última paragem.
Por um instante, ele pensou que aquela passageira não tão comum estava ébria ou não batia bem das ideias, mas as suas palavras ecoaram firmes e sóbrias dentro do veículo, o que fez Zé hesitar. Ele estava cansado; aquele tinha sido um dia longo. Queria finalmente chegar a casa e apreciar o aconchego do seu lar. Decidiu apenas seguir em frente.
Zé silenciou várias perguntas, mas a estranha também não parecia querer conversar. Enquanto dirigia, Zé lembrou que pediria sua esposa em casamento no outro dia, que estava brigado com os seus pais. Lembrou do seu investimento num restaurante, lembrou da sua querida pequena Laura. Mas quando foi que sua vida se tornara tão rotineira? Qual seria um bom dia para morrer, afinal?
Caminhamos entretidos pelas responsabilidades, sonhos e esperança na mudança, que esquecemos qual é a última paragem. Sendo a morte um lugar ou um acontecimento.
Naquele dia, os passageiros de Zé foram diversos. Havia uma bela garota, Jessica, que, no ápice da sua juventude, apreciava muito bem essa dádiva. Se ela soubesse que três anos mais tarde morreria, não em uma festa duvidosa, mas dando à luz ao seu primeiro filho, que atalhos ela pegaria para chegar mais tarde na sua última paragem?
Zé tinha transportado um outro passageiro, Marcos, que, apesar de estar na meia-idade, não tinha aproveitado tão bem sua vida. Sedento pela vontade de vencer, tinha desperdiçado a caminhada vital à toa. Mas e você, Zé? Tinha pegado tantos atalhos sem saber.
Ele olhou pelo retrovisor e viu o olhar da mulher, calmo e penetrante. A figura sombria falou, quebrando o silêncio:
- Zé, já pensaste sobre a tua própria última paragem?
Zé engoliu seco e respondeu:
- Acho que nunca parei para pensar nisso. Estou sempre ocupado demais a viver.
A mulher assentiu:
- A vida é cheia de atalhos, Zé. Muitas vezes, seguimos caminhos sem pensar no destino final. Mas, no fim, todos chegam ao mesmo lugar. O importante é como aproveitamos a viagem.
Zé refletiu sobre essas palavras enquanto dirigia pelas ruas escuras. A mulher continuou:
- As pessoas têm medo de mim, mas sou apenas uma parte do ciclo. O que vem depois é um mistério, até para mim. Mas sei que o importante é viver de forma plena, apreciar cada momento e fazer as pazes com aqueles que amamos.
Zé começou a sentir uma estranha sensação de paz. Ele olhou novamente para a mulher e perguntou:
- E se eu quisesse mudar o rumo? Se eu quisesse aproveitar mais a vida antes de chegar à última paragem?
A mulher sorriu levemente:
- Nunca é tarde para recomeçar, Zé. Cada momento é uma nova oportunidade. Mas lembra-te, a última paragem sempre estará lá, à espera. A questão é: como desejas chegar lá?
Ao amanhecer, o carro de Zé parou em frente a uma paisagem deslumbrante. Ele olhou para a mulher, que saiu do carro e se virou para ele:
- Obrigada pela companhia, Zé. Espero que esta viagem tenha sido reveladora.
E com isso, a mulher desapareceu na luz do amanhecer, deixando Zé com uma nova perspectiva sobre a vida e a morte. Ele sabia que, um dia, chegaria à sua última paragem, mas estava determinado a aproveitar cada momento até lá. E com um sorriso, ele ligou o motor e seguiu o seu caminho, pronto para viver plenamente cada dia que lhe restava.
Mas, conforme o carro de Zé se afastava, a sensação de paz que ele sentira transformava-se em algo mais sombrio. O dia parecia irreal, as memórias nubladas. Ele começou a questionar se aquela conversa havia realmente acontecido.
A caminho de casa, Zé sentiu uma dor aguda no peito. O seu coração disparou, e o mundo ao seu redor começou a girar. Ele parou o carro abruptamente, tentando recuperar o fôlego, mas a dor só aumentava.
Enquanto a visão de Zé escurecia, ele deu-se conta da verdade terrível: aquela viagem, aquela conversa com a mulher, havia sido um delírio. Ele não havia levado a Morte; a Morte havia vindo buscá-lo.
Com um último suspiro, Zé compreendeu que a sua última paragem havia chegado. Ele nunca mais veria a sua esposa, os seus pais, a sua pequena Laura. As suas mãos escorregaram do volante, e o mundo ficou em silêncio.
Naquela noite, numa rua deserta na cidade da Praia, o táxi de Zé permaneceu parado, com o seu motorista finalmente encontrando a paz na sua última paragem.
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