Às vezes, a casa transforma as pessoas em prisioneiros e o coração uma cela que bombeia o afastamento e a depressão vinda de quatro paredes.
O cabo-verdiano de sete vidas.
Oito horas da manhã é que o raio do sol dissipa a preguiça do corpo de qualquer ser humano de bom coração. A viatura de repartições dos Correios estaciona na rua estreita de Seka Pexi.
Movimento estranho e ainda novidade para aquelas gentes, contudo, era habitual a queixa dos moradores devido à existência de restos mortais das parodias e bebedeiras, como garrafas amontoadas e cheiro de bebidas alcoólicas que permanece fresca se lançando no ar.
Ao terem contacto visual com as visitas não anunciadas e convidadas no bairro eles se fecham, quase nenhum adulto na rua, além dos que estavam se preparando para irem dormir em plena segunda-feira.
Com olhares de desconfianças a denunciar existência dos homens de estado, esbugalham os olhos como se fosse gatunos a obrigarem-lhes ao pagamento de impostos e ao mesmo tempo lhes cobrarem uma vida mais em semelhanças com a lei e ordem e ordem igual a gentes da cidade. Outros moradores, na outra parte, estão parados. Pensam logo que já começou a época de enganação e votação, contudo mais abaixo, na última casa da rua, a música estava tocando e ecoando com alguma expressão, assim como o sol que começava a penetrar naquelas ruas molhadas de aviltamento, restos de excrementos lançadas ao ar livre dando a certeza que a criação de gados era a principal atividades, de acordo com gritos de capados que se ouvia em alguns quintais feito de pedras num tempo de djunta mó, na época em que ser novo servia para ajudar o vizinho a ter a sua moradia e o seu terreno no tempo de azágua era garantia da sementeira, monda e recolha.
Nos dias de sentar no podjal para analisarem a vida e o bairro e os que já partiram depois de muitos anos, ali, reunidos sentem que o nome do bairro não é só Seka Pexi, concordam que algumas coisas lhes secaram no coração.
Um pouco atónitos com a região onde foram parar, os dois funcionários saíram do carro, um com a pasta que continha alguma quantidade de papel e aspeto do outro mostrava que é o condutor, agarrado a um lencinho branco na mão olhando com espanto as crianças a brincarem com muito à vontade na rua. Aproximaram-se da casa mais próxima. As pessoas não têm hábito de ver as viaturas do estado naquela zona; aproximavam das casas, as pessoas fechavam as portas e se prendiam dentro, apontavam o rosto pela janela a fim tomarem o pulso da situação.
Às vezes, a casa transforma as pessoas em prisioneiros e o coração uma cela que bombeia o afastamento e a depressão vinda de quatro paredes. João D’Ouro sofria um pouco de coração e da solidão que passou a morar na sua casa antiga, não que o sofrimento fosse um fundamento desatualizada, mas é bem antiga e pronuncia do mesmo modo na carne.
Tentaram tanto. Já passava das dez horas e havia mais coisas para fazerem. Decidiram abandonar o lugar, mas o condutor teve a brilhante ideia de ir até ao final da rua onde ainda a quantidade do som que evaporava no ar dava ideia de que aquele ponto é uma discoteca, foram perguntar sobre o que pretendiam em Seka Pexi.
Ali todos os homens são conhecidos por esse nome, porque as mulheres tomaram conta de tudo, determinavam a hora de saída e da entrada, recebiam o salario do marido e decidiam quanto é que o homem deveria ter direto a bebedeira e as parodias, tudo era medido pelas esposas, ultimamente até o numero dos filhos diminuiu para dez por cada casal, por expressa ordem das mães e anciãs que chegaram do interior do interior para fazer daquele chão Seka Pexi e lugar das negras moças de olhos verdes. Quando chega a noite de luar, a lua desce e vai morar nos seus olhos para confundir a meteorologia do amor, mas, nunca partilhavam os encantos com os que chegavam de fora ou que fossem imigrantes.
O ultimo homem que se envolveu com as moças de Seka Pexi diagnosticaram-lhe uma espécie de sangue verde, quando chegou a cidade da praia tornou um grande mand´água. A ultima contabilidade sobre o seu consumo anual, estabeleceu-se por ter bebido, trinta copo de dez Kakuladu, treze barril de grogue de Santo Antão, setenta litro de zurrapa, trazido pelos imigrantes velhos que regressaram sem aposentação e sem moradias fixas, ainda, no hospital, conseguiram tirar de dentro dele com bisnagas, sete litro de ponche verde do coração e nas veias. Quando recuperou, ele se tornou um pastor que faz pregação na paragem de fazenda todos os dias as sete horas da manha contra o amor. Elas entram penetram em tudo. Diz ele sempre na hora de terminar a envangelização.
Ainda os dois funcionários no trabalho que lhes foram propostos chegaram ao final da moradia. A casa é constituída por um só compartimento, internamente dividida por um quartinho e um bar com uma pequena dependência que parecia ser a cozinha, o dono da discoteca estava quase a fechar, os dois funcionários repararam no chão que acabara de ser asseado e as janelas já estavam trancadas.
Chegaram na discoteca e se ficaram pela porta, repararam o estilo e a dimensão da discoteca, não ficaram espantados apesar de terem grunhido a cara por terem encontrado um indivíduo deitado no chão até àquela hora e como o barulho da música não o perturbava, mesmo tendo o fedor da própria composição brau ka ta brau lhe entalando os ouvidos e o nariz.
Chegou o dono do estabelecimento, um homem baixinho de olhos cientes na cara.
-O que desejam?
Aquelas pessoas não estavam habituadas a abrirem a cara aos outros com coisas de princípios civilizacional, por exemplo dizer:
- Bom-dia.
-Bom dia também para o senhor.
Disse o funcionário e continuou.
-Realmente, ele não deu a tão necessária bom dia.
Continuou o dono de estabelecimento, com a cara ainda mais amarrada dando ideia que o sono estava tomando conta do homem. Foi para o meio da sala e puxou uma mesa velha que gritava de dor devidos aos pregos mal sentados nela mesmo, depois puxou mais duas cadeiras e ele ficou de pé.
-Sentem-se!
Aproximaram da mesa, mas não se coibiram de sentarem e naquele momento o que tinha a pasta agarrada era o condutor e o outro funcionário com um documento na mão.
-O senhor pode-me dizer aonde poderíamos encontrar o cidadão João Caganeira, mais conhecido por João D’Ouro?
O dono do bar arregalou os olhos como se fossem lâmpadas acabadas de serem inflamadas, pôs a mão na cabeça, foi se situar atrás do balcão resmungando a resposta que tinha de dar para os dois sujeitos estatais.
-Em primeiro lugar, antes de responder, peço que nos desculpe por esta estultícia, é que nós não nos apresentamos, somos funcionários dos Correios, eu sou notificador e ele é o condutor, nós só estamos aqui para entregar esta notificação ao senhor que tínhamos referido.
- E os vossos nomes?
Perguntou o dono da discoteca.
- Eu sou José Boaventura condutor como tinha dito.
-Eu sou Elmer Catarro, sou o notificador como tinha dito também na minha apresentação.
O dono do bar deu com a cabeça e se aproximou dos rapazes olhando nos olhos, analisando cada detalhe das palavras que eles tinham acabado de dizer.
-Meu nome é Luzindo de Seka Pexi, e no lugar de Z estava a outra letra. Sobre o meu nome, não se estranhem, é que nesses anos de tocatina e venda à noite, todas as vezes que os rapazes se embebedam eles me comem pedacinhos de letras, a cada ano que passa me fazem isso. Tiraram-me a letra L do nome, aliás me comeram a letra enquanto a velhice anda a morar no meu corpo e a minha idade se transforma em números cada vez maiores, é assim, quanto mais passa o tempo a lindeza do corpo e da mente se gasta por essas bandas de Seka Pexi, através disso perdi o L no nome, eu era um autêntico Lu-lindo. Se quiserem encontrar o João D’Ouro terão de analisar o chão!
Constrangidos ficaram aqueles dois funcionários que não entenderam nada acerca da linguagem do Lulindo, aliás luzindo.
-Mas analisar o chão como?
Logo, Luzindo concluía pela compostura dos dois rapazes que eles não têm nada a ver com pessoas que ele pensava que seriam, pessoas que trabalham no estado mas vivem nos bairros e entendem as suas linguagens de indiretas.
-Podem falar com o João D’Ouro, ele está deitado no chão atrás de vocês.
-Upf, toda essa injúria e mau cheiro por um indivíduo que sempre esteve perto de nós, mas que mau odor.
Disse o José Boaventura.
Se apressaram para acordarem o João D’Ouro que se encontrava num sono profundo e terrível, já que nem o barulho da música o perturbava, bateram no João até tê-lo despertado.
Ainda com olhos abertos olhando a luz nublada das imagens distorcidas de pessoas, sentaram-no e encostaram ele na parede para se atualizar, não perdeu tempo para perguntar aos dois senhores o que os tinha trazido até aquele lugar.
-Senhor João é o papel da sua reforma enquanto imigrante de Portugal que chegou há mais de um ano, hoje estamos a distribuir e confirmar os que estão vivos e os que não estão vivos. Por isso, tem de ir até à repartição para confirmar e fazer a sua prova de vida.
-E vocês, acham que eu estou vivo?
Perguntou o João.
-Bem senhor João, só assine aqui!
Ignoraram por completo a pergunta do homem. O condutor observava o João D’Ouro e ao sair disse.
-Sobre a vida só te digo para avaliares e tentares reciclar os teus últimos dias na terra, estás igual a um monte de lixo, mano.
João tomou o documento e retirou a sua luneta velha de arcos tortas e de lentes meio amareladas e leu o documento que o confirma como um possível reformado de Portugal. Retirou o óculo e assinou o papel, e sem mais demoras os dois funcionários não esperaram nem mais um minuto naquele lugar e desapareceram dali.
Ficou sentado uns minutinhos digerindo a novidade, a vinda dos funcionários até a sua zona, o por quê da insistência em achá-lo, ele que se tornou um homem inútil metido numa imundície de toda a espécie, acarinhava o seu papel de reforma. As perguntas o bombardeavam dentro da sua cabeça cada vez mais e em insistência infernal. Sempre dizia para ele mesmo.
-Eu sou João D´ouro, ninguém me inventou eu me invento.
Levantou daquele lugar e dirigiu para a sua casa, um prédio estilo sobrado já muito velho e maltratado, cada vez que pregava a sola de sapato no soalho de madeira se ouvia pela casa toda. Na parede da sala está uma grande fotografia dele no meio de outros rapazes, ainda muito jovem e de barbas negras, na cara uns com luneta Ray Ban e outros nem tanto, a fotografia representava um momento de felicidade para o João D´oro, assim como muitos outros dias.
Aos sessenta anos, João voltava a sentar-se na sua cadeira de balanço de cara para a fotografia do tempo da sua juventude. E diz.
-Agora querem que eu vá provar que estou vivo, quem sabe? poderei voltar a ser um homem a sério como nos velhos tempos na Europa dos velhos ultramarinos, minhas rapaziadas e confrontos de gangs, por último, a notícia da noite de mortes de conhecidos e amigos que tínhamos tido feito amizade há pouco mais de cinco minutos ou uma semana se matam uns aos outros, época de desperdício, liberdade e libertinagem.
-Foram anos loucos.
Fala sozinho e cala
Mario Loff
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