Este artigo consiste meramente na voz dos estagiários profissionais em Cabo Verde.
A tortura, não intencionada, dos estagiários
Antes demais permitam-me dizer que este artigo não é um ataque ao governo nem às políticas implementadas pelo mesmo, não que não haja motivos para tal. Este artigo consiste meramente na voz dos estagiários profissionais em Cabo Verde.
O estágio profissional consiste numa das políticas implementadas pelo governo da República de Cabo Verde como uma das medidas de mitigar o problema de desemprego, apresentando-se como uma porta de entrada ao primeiro emprego.
O que se pretende neste artigo é abordar um pouco sobre um aspecto particular em relação ao estágio profissional, que muito aflige os estagiários. Esta particularidade diz respeito ao pagamento das bolsas por parte do IEFP.
Este pequeno pormenor consiste numa tortura aos estagiários, primeiramente porque o IEFP não fixa um dia para o pagamento da bolsa, podendo este ser efetuada a qualquer dia do mês seguinte, entre os dias 10 e 31. Ou seja se o contratado começar o estágio no mês de setembro, este começa a receber o pagamento da bolsa no mês de outubro, podendo este ser efetuado até o dia 31 de outubro. É aqui que começa a tortura, mas não para por aqui.
Mas para compreender o porquê de este sistema de pagamento ser uma tortura para os estagiários, vamos analisar os pormenores. Para compreendermos isto vamos tentar fazer um pequeno enquadramento de quem são os estagiários, ou pelo menos grande parte deles, em concreto os que residem na cidade da Praia.
Grande parte dos estagiários na cidade da Praia são jovens provenientes de outras ilhas ou do interior da ilha de Santiago, que optam por procurar melhores condições de vida na cidade capital de Cabo Verde, por ser o local que oferece mais oportunidades para os formados. Grande parte destes jovens são filhos de pais com poucos recursos financeiros, que vivem da agricultura, e que alugam quartos para residir na cidade da Praia.
Agora vamos aos fatos, mas não analisemos os estagiários como números, analisemos como seres humanos que, muitas vezes tem aluguer para pagar, tem alimentos e produtos higiénicos para comprar, tem transporte para pagar, etc.
No entanto, sabendo que o IEFP paga ao estagiário o valor de 15 mil escudos mensais e a instituição ou empresa que contrata paga ao estagiário um valor compreendido entre 5 mil a 7 mil escudos, pergunto: Do que vive o estagiário no segundo mês do estágio, tendo em conta que só recebe a primeira mensalidade no mês seguinte? OBS: Quando se começa o estágio o estagiário fica com receio de ir pedir dinheiro aos pais, pois a ideia que se pretende transmitir é que o estágio é um emprego. E muitas vezes os pais não tem dinheiro para sustentar a estadia dos filhos após a conclusão do curso ou formação.
Mas este primeiro mês não é o problema. Pois, se o contratado já conseguia viver sem ter nenhum vencimento antes do estágio, não vai ser nestes dois primeiros meses que ele vai morrer.
O problema começa quando estagiário começa a receber as primeiras mensalidades e se proclama como independente. É aqui que se considera que a tortura não intencionada começa a desenvolver. Suponhamos que estagiário que começou em setembro receba a sua primeira mensalidade no dia 14 de outubro. Daí o estagiário faz as suas compras, faz o seu plano e uma gestão do seu dinheiro para aguentar até o dia 14 do mês seguinte com a expetativa de que irá receber no mesmo dia (neste caso no dia 14 do mês de novembro).
No entanto após uma gestão rigorosa e aquela ansiedade para ver chegar o dia 14 do mês seguinte, muitas vezes após assumir compromissos, chega o famoso dia 14 de novembro, o estagiário vai ao ATM mais de 5 vezes ao dia (ou carrega a internet mesmo com poucos recursos, para consultar o saldo no Caixanet ou BCAdireto mais de 10 vezes ao dia) e chega o final do dia, nada. Daí o estagiário diz: ainda bem que guardei este 2000 (dois mil) escudos. E é aqui que a tortura psicológica piora. O estagiário tem 2000 (dois mil) escudos, porém não sabe como vai fazer a gestão do seu dinheiro, que não é muito, porque não tem nenhuma garantia de quando vai receber.
Agora contem comigo: dia 15, 16, 17,18,19,20. Mais cinco dias se passaram e nestes cinco dias o estagiário se deslocou todos os dias ao ATM para verificar o saldo na sua conta e ?? Nada. Acaba os 2 mil escudos que tinha sobrado. Continuemos a contar: dia 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30. Nestes 10 dias que se passaram o estagiário já emprestou dinheiro no seu amigo, já tomou produtos “fiado” nas lojas e já fez de tudo para aguentar o final do mês. Finalmente né? Até que enfim terminou o mês que parecia uma eternidade! De hoje não passa. É hoje!! É Hoje que vão me pagar. E finalmente pagaram.
Dá para imaginar um cenário pior? Dá sim. Agora imaginem, o estagiário entolhado em dívidas, sem nada para comer, acaba o gás, sem nenhum tostão, nem para comprar sequer uma banana, chega o dia 30 e este desesperadamente consulta o saldo a cada hora que passa, chega o final do dia e a conta continua vazia, tão vazia quanto o estômago do estagiário. No dia seguinte caminha desanimadamente ao IEFP à procura de alguma informação que o console e tudo que o IEFP lhe diz é para aguardar. Neste momento é isto que está a acontecer. Chegou o final do mês e os estagiários continuaram com a conta zerada. No meio a esta crise, com subidas exorbitantes dos preços dos produtos, do que vão viver os estagiários que fizeram todo o esforço para aguentar o final do mês e até ainda não viram nem um tostão? E aqueles que há 3 meses não recebem?
Por favor tenham mais respeito aos estagiários, pois com saúde não se deve brincar. Muitos dos estagiários têm filho para alimentar e quando não se têm nada para comer cada hora que passa parece uma eternidade. Portanto, tenham em mente que o sofrimento daqueles que aguardam desesperadamente o pagamento das bolsas intensifica a cada hora que passa. E não se esqueçam, o sofrimento e a depressão não tem cara. Estejamos ciente ao comportamento dos estagiários.
Esta é a voz dos estagiários, que provavelmente estão no silêncio para não serem prejudicados.
Os jovens não são o futuro do nosso país? Então cuidem melhor do nosso futuro!
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