Crónica de domingo
Quem diz isso é Danielle Sanchez, nascida nos Estados Unidos e filha de pai cabo-verdiano e mãe mexicana ( na foto) Enquanto sua raiz latina é celebrada com orgulho sua ascendência cabo-verdiana foi-lhe continuamente escamoteada pela família paterna que num determinado período histórico decidiu renegar a origem cabo-verdiana dizendo que eram portugueses.
Eis a história, tal como ela conta.
“SOU NEGRA…NÃO SOU PORTUGUESA”
“A família do meu pai veio de Cabo Verde muito antes da luta sangrenta liderada por meu herói pessoal Amílcar Cabral que culminou com a independência das ilhas em 1975.
Meu bisavô (carpinteiro) e minha bisavó (quiromante e vidente) assentaram-se em Nantucket no principio do século 20.
Seria ingenuidade da minha parte pensar que na altura esses imigrantes cabo-verdianos eram bem recebidos no estado de Massachusetts, mas o certo é que essa larga comunidade na diáspora se uniu criando um enclave que ate certo ponto a protegeu em locais como Nantucket e Fox Point.
FAZENDO-SE PASSAR POR PORTUGUESES
Minha família fazia parte dessa comunidade até que rebentou a tensão social que inferiorizava pessoas que se auto-associavam à herança cabo-verdiana… Perante a onda de discriminação a minha família, como tantas outras famílias cabo-verdianos nos Estados Unidos, a minha família começou então a renegar sua origem africana e a dizer que eram portugueses… Até certo ponto Isso permitiu-lhes ultrapassar a “barreira da cor” e se sentar na parte dianteira dos autocarros, comer em restaurants segregados e beber no fontenário de brancos durante os conturbados tempos da tensão racial nos Estados Unidos… No entanto, aos olhos da vizinhança, essa tentativa de querer passar por branco não eliminava sua ascendência nem seus traços africanos.
Meu pai cresceu em Boston nos anos 60 e 70, um mau local para ser negro, mesmo não se edificando como tal. Era agredido na rua e perdeu a conta de tantas vezes que foi chamado ‘nigger”. Era perseguido e ameaçado diariamente, o que era desconcertante para um jovem que se considerava português. Meu irmão enfrentou o mesmo problema crescendo no subúrbio de Texas. Chamavam-lhe nomes pejorativos e era agredido na rua só pelo simples facto de ser visto como negro.
Nem sei a razão, mas em vez de esconder a minha origem como os restantes membros da minha família resolvi assumir de corpo e alma o indiscutível facto de eu ser negra e, através da minha mãe, americana-mexicana.
Na tentativa de rastrear minha ascendência africana aprendi português para ficar mais perto da minha avo Irene…. Lembro que quando pela primeira vez eu lhe disse “BOM DIA” ela se afastou de mim com brusquidão. Na altura não percebi, mas retrospetivando posso sentir o cheiro do racismo e do confronto étnico/ identitário que ainda marcam os Estados Unidos.
Minha avo Irene (mãe do meu pai) nunca aprendeu português. É fluente em crioulo, que se fala na sua casa….Minha habilidade em falar português talvez lhe tenha chocado porque realça e traz à tona esse problema de “fabricação racial” iniciada logo que sua família chegou a Nantucket e que ainda hoje perdura no seio dos meus familiares.
Sempre que menciono o nome de Cabo Verde aos meus tios e tias cria-se um clima de tensão e desconforto …Nossa herança é uma coisa que foi continuamente silenciada durante gerações e é com grande tristeza que digo que sou a única na minha família que se auto-identifica como negra. Tenho orgulho de ser o que sou e de saber de onde venho, e é esse amor pela minha raiz cabo-verdiana que inabalavelmente me empurra a procurar a origem dos meus ancestrais.
5 anos atrás dei ao meu pai uma cópia do censo de 1930 que lista meu bisavó e seus filhos como imigrantes de Cabo Verde... Só o facto de ver esse documento me fazia sentir muito mais próxima da comunidade cabo-verdiana…. Foi portanto com muito orgulho que embrulhei esse documento e dei de presente ao meu pai no dia de Natal. Fiquei triste e surpresa ao saber que esse presente causou muita dor ao meu pai e aos meus irmãos porque, com esse documento, já não podiam mais negar a sua linhagem cabo-verdiana.
Não sei o que meu pai fez fez com esse documento mas alguém me disse que ele o deitou fora. Não interessa. Em ultima analise faço parte dessa diáspora que acredita que é necessário se autodefinir no meio do mais doloroso e degradante capítulo da história Americana.
Não posso nem imaginar a dolorosa experiencia dos meus bisavós, dos meus avos, do meu pai e mesmo dos meus irmãos nos dias de hoje mas o que posso fazer é ir pra frente, é avançar …Para mim “avançar” significa que, em vez de me renegar a mim mesma, posso assumir plenamente minha herança sem deixar de aprender com a experiencia e o sacrifício dos meus “mais velhos”. Finalmente quero criar meu filho ensinando-lhe que ele é parcialmente cabo-verdiano e que nunca deve envergonhar-se desse facto “
Danielle Sanchez ( nos Esatdos Unidos) fonte:ok
Eis a história, tal como ela conta.
“SOU NEGRA…NÃO SOU PORTUGUESA”
“A família do meu pai veio de Cabo Verde muito antes da luta sangrenta liderada por meu herói pessoal Amílcar Cabral que culminou com a independência das ilhas em 1975.
Meu bisavô (carpinteiro) e minha bisavó (quiromante e vidente) assentaram-se em Nantucket no principio do século 20.
Seria ingenuidade da minha parte pensar que na altura esses imigrantes cabo-verdianos eram bem recebidos no estado de Massachusetts, mas o certo é que essa larga comunidade na diáspora se uniu criando um enclave que ate certo ponto a protegeu em locais como Nantucket e Fox Point.
FAZENDO-SE PASSAR POR PORTUGUESES
Minha família fazia parte dessa comunidade até que rebentou a tensão social que inferiorizava pessoas que se auto-associavam à herança cabo-verdiana… Perante a onda de discriminação a minha família, como tantas outras famílias cabo-verdianos nos Estados Unidos, a minha família começou então a renegar sua origem africana e a dizer que eram portugueses… Até certo ponto Isso permitiu-lhes ultrapassar a “barreira da cor” e se sentar na parte dianteira dos autocarros, comer em restaurants segregados e beber no fontenário de brancos durante os conturbados tempos da tensão racial nos Estados Unidos… No entanto, aos olhos da vizinhança, essa tentativa de querer passar por branco não eliminava sua ascendência nem seus traços africanos.
Meu pai cresceu em Boston nos anos 60 e 70, um mau local para ser negro, mesmo não se edificando como tal. Era agredido na rua e perdeu a conta de tantas vezes que foi chamado ‘nigger”. Era perseguido e ameaçado diariamente, o que era desconcertante para um jovem que se considerava português. Meu irmão enfrentou o mesmo problema crescendo no subúrbio de Texas. Chamavam-lhe nomes pejorativos e era agredido na rua só pelo simples facto de ser visto como negro.
Nem sei a razão, mas em vez de esconder a minha origem como os restantes membros da minha família resolvi assumir de corpo e alma o indiscutível facto de eu ser negra e, através da minha mãe, americana-mexicana.
Na tentativa de rastrear minha ascendência africana aprendi português para ficar mais perto da minha avo Irene…. Lembro que quando pela primeira vez eu lhe disse “BOM DIA” ela se afastou de mim com brusquidão. Na altura não percebi, mas retrospetivando posso sentir o cheiro do racismo e do confronto étnico/ identitário que ainda marcam os Estados Unidos.
Minha avo Irene (mãe do meu pai) nunca aprendeu português. É fluente em crioulo, que se fala na sua casa….Minha habilidade em falar português talvez lhe tenha chocado porque realça e traz à tona esse problema de “fabricação racial” iniciada logo que sua família chegou a Nantucket e que ainda hoje perdura no seio dos meus familiares.
Sempre que menciono o nome de Cabo Verde aos meus tios e tias cria-se um clima de tensão e desconforto …Nossa herança é uma coisa que foi continuamente silenciada durante gerações e é com grande tristeza que digo que sou a única na minha família que se auto-identifica como negra. Tenho orgulho de ser o que sou e de saber de onde venho, e é esse amor pela minha raiz cabo-verdiana que inabalavelmente me empurra a procurar a origem dos meus ancestrais.
5 anos atrás dei ao meu pai uma cópia do censo de 1930 que lista meu bisavó e seus filhos como imigrantes de Cabo Verde... Só o facto de ver esse documento me fazia sentir muito mais próxima da comunidade cabo-verdiana…. Foi portanto com muito orgulho que embrulhei esse documento e dei de presente ao meu pai no dia de Natal. Fiquei triste e surpresa ao saber que esse presente causou muita dor ao meu pai e aos meus irmãos porque, com esse documento, já não podiam mais negar a sua linhagem cabo-verdiana.
Não sei o que meu pai fez fez com esse documento mas alguém me disse que ele o deitou fora. Não interessa. Em ultima analise faço parte dessa diáspora que acredita que é necessário se autodefinir no meio do mais doloroso e degradante capítulo da história Americana.
Não posso nem imaginar a dolorosa experiencia dos meus bisavós, dos meus avos, do meu pai e mesmo dos meus irmãos nos dias de hoje mas o que posso fazer é ir pra frente, é avançar …Para mim “avançar” significa que, em vez de me renegar a mim mesma, posso assumir plenamente minha herança sem deixar de aprender com a experiencia e o sacrifício dos meus “mais velhos”. Finalmente quero criar meu filho ensinando-lhe que ele é parcialmente cabo-verdiano e que nunca deve envergonhar-se desse facto “
Danielle Sanchez ( nos Esatdos Unidos) fonte:ok
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