Falo-vos de um álbum rico, inquietante, emotivo e catalisador
Por Filinto Elísio
“Tu já és uma estrela. E de outra galáxia, meu amigo”.
Confesso-me pecador. Por isso, sublimou-me a alma e balançou-me o corpo, fazendo-me sincopar os pés - pondo os passos no compasso -, quando, por vários trechos, me senti a navegar pelo inumerável dos géneros musicais cruzados que o funaná sintetiza. Mário Lúcio, com apelo do acordeão e do ferrinho, mesmo quando fica aquém e vai além disso, afirma em cada naipe que o funaná é música do mundo e música da noite.
Falo-vos do novo álbum de Mário Lúcio, “FUNANIGTH”, em que, por reminiscência e tributo, o menino egresso de Monte Iria (Tarrafal, de Santiago, Cabo Verde), vem (ex) purgar, para nosso deleite, a origem e a matriz crioula do "badjo gaita", destilando nele todas as suas matizes de estilo, de andamento, de influência e de confluência.
Ouvimos o ritmo de Tabanka num mix com Coladeira, de progressivo funaná, sempre com a lírica na ponta da língua. Pa dexa meninos brinka.
Falo-vos de um álbum rico, inquietante, emotivo e catalisador – produzido em clave e chave nos quais os códigos da música cabo-verdiana afirmam-se pela diversidade e re-existem pela originalidade.
Mário Lúcio é músico, artista plástico, dramaturgo, poeta e escritor cabo-verdiano. Portador de tantos recursos da criação artística, ele reservou lugar especial à música. Encara a música existencialmente, como se ele-próprio fizesse parte de uma ópera. Personifica-se em partituras musicalizadas. Harmonias das sonoridades. Textos, contextos e traços afoitos para a escansão das notas em assonância e dissonância.
Eu, pecador, confesso-me rendido a este novo álbum de Mário Lúcio. E atire a primeira pedra quem, depois de o ouvir e vivenciar, possa fugir da sina de tanto arco e da sedução de tanta lira, da sua alma conteudística e da sua textura corpórea, assim (como de tudo e como de todos) não se possa querer dançar e fazê-lo pelas tentações da nigth, nem se possa fazer chorar em "Meu coração não aguenta". Pura gaita e ferrinho, ma non tropo. Básico aparente, escondendo a argila do complexo. Entrecortado pelo djatu. Etnográfico. Antropológico. Ami, djan bai...
"FUNANIGTH", porque estival e bamboleante, é, ao que penso, uma das melhores criações, interpretação e hermenêutica "do estar" na música de Mário Lúcio que, de resto, tem sempre o dom de inquietar o nosso inconsciente e de nos acrescentar surpresas, projetando o tântrico do Mundo e dos mundos nos quais nos espelhamos.
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