AJOC vem por esta via repudiar mais esta tentativa, por parte do Ministro Abraão Vicente, de instrumentalização do sector público da Comunicação Social cabo-verdiana
Comunicado
A Liberdade de Expressão, a Liberdade de Imprensa, o Direito à Informação e a Independência dos Órgãos Públicos de Comunicação Social são princípios constitucionalmente consagrados que constituem pilares centrais do sistema democrático cabo-verdiano.
Outrossim, e para efeitos de efectivação prática, têm, na legislação ordinária referente à Comunicação Social, as regras para a sua aplicação.
Por isso, foi com estupefacção que a Direcção da Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC) constatou, através de publicações na rede social Facebook, e em declarações à imprensa, que o Sr. Ministro da Cultura e Indústrias Criativas considera ser da sua competência dar orientações directas para a formatação dos conteúdos dos órgãos públicos e supervisionar o trabalho dos profissionais, como se pode constatar pela leitura do post publicado no dia 1 de Março, no Facebook, sobre a cobertura do carnaval de São Vicente, pela TCV: “O Outro lado do MCIC: RTC Canal público de Comunicação Social! Estamos prontos para levar a todos os cabo-verdianos o grande desfile de Carnaval em directo de Mindelo, garantimos também cobertura com reportagens em todos os outros Municípios!”.
Para agravar ainda mais a situação o post é acompanhado de fotos que insinuam um controle efectivo do trabalho dos profissionais pelo aludido ministro, sugerindo que a ingerência não é apenas sobre a transmissão mas inclui, também, indicações directas das reportagens que devem ser feitas pelos jornalistas.
Quando confrontado com as reacções a essa interferência nos conteúdos da emissora pública, o Sr. Ministro justificou-se com a existência de um novo modelo de negócios para a RTC, e reafirmou a sua intenção de gerir directamente a empresa.
Ora, a AJOC não questiona o novo modelo de negócios que O Sr. Ministro Abraão Vicente pretende implementar, mas entende que não cabem nas competências Sr. Ministro as atribuições que relevam das suas declarações e atitudes.
De acordo com a legislação cabo-verdiana, ao Ministro que tutela do sector da Comunicação Social incumbe, definir as políticas para o sector, nomear o Conselho de Administração da empresa e estabelecer as metas gerais de cumprimento do serviço público e garantir as condições para que este serviço público seja observado.
Para isso, está definida ainda a assinatura de um Contrato de Concessão que estabelece quais são os serviços a serem prestados e as contrapartidas que o Estado deve dar à concessionária pelo cumprimento dessas tarefas.
Neste modelo, não há espaço para que o Ministro venha chamar a si a prerrogativa de implementar modelos de negócio nem decidir que conteúdos devem ser emitidos. Nem para apoucar a verdadeira missão da RTC, enquanto empresa cujo core business é a informação por excelência, informação essa que suporta os conteúdos emitidos na restante programação.
Outra grave incongruência é o facto de o governante entender que a TCV é parte do seu Ministério, em vez de um órgão público independente como consagram os estatutos da estação e da empresa de que é pertença, além de toda a legislação referente aos meios públicos de Comunicação Social.
E o Sr. Ministro Abraão Vicente deixa bem claro esse entendimento enviesado das suas competências, na entrevista publicada no Expresso das Ilhas no dia 23 de Fevereiro, em que coloca a seguinte questão: “É justo que se impeça a Televisão de Cabo Verde, que faz parte do Ministério da Cultura (que financia o Carnaval do Mindelo), de fazer a cobertura em directo, porque houve um contracto de exclusividade entre a Câmara Municipal e uma empresa privada? Não, absolutamente, não.”
Quando confrontado com esta posição o Sr. Ministro faz uma advertência velada mas bem perceptível aos jornalistas que não concordam com tais tentativas de manipulação, ameaçando-os com possíveis despedimentos, num claro desrespeito pelos profissionais que chama de pouco sérios, apenas porque defendem a independência dos órgãos de comunicação social.
Isto pode ser lido no post, no Facebook, do Sr. Ministro, datado de 1 de Março: “É normal a resistência a mudanças, mas creio que a nova geração de jornalistas que brevemente entrará no mercado saberá compreender e acompanhar melhor os novos tempos da empresa, fazendo também um trabalho de qualidade e totalmente independente como os jornalistas a sério sempre fazem. O futuro é dos que inovam e nunca dos conservadores.”
Por todos os motivos acima expendidos, a direcção da AJOC vem por esta via repudiar mais esta tentativa, por parte do Ministro Abraão Vicente, de instrumentalização do sector público da Comunicação Social cabo-verdiana, e pedir às autoridades competentes e que actuam na defesa dos direitos, liberdades e garantias estatuídos na Constituição da República, que ponham cobro a esta atitude de permanente confrontação, desrespeito pela classe jornalística, violação de princípios constitucionalmente e legalmente consagrados, ameaças veladas e directas, tentativas de desestabilização, assédio moral e apoucamento dos profissionais do jornalismo cabo-verdiano, que o Ministro Abraão Vicente vem demonstrando desde que assumiu o cargo que lhe dá a prerrogativa de tutela administrativa, repetimos, administrativa, do sector.
Para fazer valer a sua posição, a AJOC pretende diligenciar no sentido de levar as suas preocupações às mais altas instâncias legais e políticas da República, pedindo-lhes que digam à sociedade quais são os seus entendimentos em relação às situações agora denunciadas.
A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde vai, assim, em conformidade com as posições assumidas e guiada pelas preocupações expressas no presente comunicado, e para os efeitos acima enunciados, solicitar audiências com o Presidente da República, o Provedor de Justiça, a Procuradoria-geral da República, o Presidente da Assembleia Nacional e as lideranças dos Grupos Parlamentares na Assembleia Nacional.
Da mesma forma, a AJOC vai fazer chegar uma exposição, sobre esta matéria, aos organismos internacionais de defesa dos jornalistas e da Liberdade de Imprensa, nomeadamente a Federação Internacional dos Jornalistas e a organização Repórteres Sem Fronteiras, além de congéneres de vários países e das agências internacionais que regularmente estabelecem a lista de predadores das liberdades dos jornalistas.
A AJOC reafirma que essas liberdades constituem a sua causa primordial e que estará sempre disponível a lutar para que elas continuem a ser uma conquista de todos cabo-verdianos.
A AJOC apela a todos os jornalistas que não se deixem intimidar e que continuem a fazer o seu trabalho, respeitando as regras do código deontológico da profissão, cientes de que esta será a melhor forma de servir a sociedade de que fazem parte.
AJOC
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